quarta-feira, setembro 03, 2008

Um discurso que honra a imprensa livre

No evento realizado ontem em comemoração aos 40 anos da revista VEJA, Roberto Civita, presidente da Abril, fez o discurso que segue. Parece-me uma peça de primeira grandeza na defesa das liberdades democráticas, da imprensa livre e da sociedade de mercado. Não se pode dizer que nessa tríade esteja resumido todo o bem do mundo. Mas se pode assegurar, com base em que tudo o que nos informa a história, que essas conquistas são pré-requisitos para uma sociedade civilizada. *Os 40 Anos de VEJA e o Brasil que Queremos Ser"É para mim - e para todos os meus colegas da Abril - uma enorme alegria e uma grande honra poder receber tantos amigos e presenças ilustres neste dia em que comemoramos os 40 anos de VEJA.Para nossa satisfação e orgulho, VEJA continua sendo a maior, mais influente e mais prestigiada revista brasileira. Acima de tudo, atribuímos isso ao compromisso permanente da revista com seus mais de 5 milhões de leitores com a defesa intransigente dos interesses do Brasil.Estamos aqui hoje, à luz do dia, principalmente porque nos ocorreu que, em vez de promovermos mais uma festa com discursos relembrando o passado, seria muito mais útil e estimulante passar um dia em companhia das pessoas mais influentes do Brasil debatendo as alternativas para o país que queremos ser.E é exatamente isso que estamos fazendo aqui, por meio de seis importantes debates sobre os grandes temas da democracia, economia, educação, meio ambiente, imprensa e megacidades, e também de breves discursos de quatro grandes lideranças políticas expondo a sua visão do que significa governar para a próxima geração.Para mim e para meus colegas da Abril, a discussão permanente desses temas que afetam a todos nós faz parte não apenas da nossa missão e vocação editorial mas também da própria essência da imprensa livre, que - por sua vez - é ao mesmo tempo fruto e esteio da democracia.Todos os que me conhecem sabem da minha pregação permanente sobre o que chamo da indissolúvel interdependência entre a democracia, a imprensa livre a livre-iniciativa. Isso pode parecer óbvio (como acontece com todas as grandes verdades após a sua formulação), mas é absolutamente essencial para entender que a multiplicidade de vozes necessárias para garantir e fortalecer a democracia só pode existir numa sociedade em que a liberdade de imprensa é assegurada e na qual a entrada é franqueada a quem quiser e puder se habilitar; em uma sociedade em que existe a liberdade de empreender e em que a concorrência em todas as frentes gera a publicidade, que - por sua vez - fecha o círculo virtuoso ao viabilizar a existência de múltiplos meios de comunicação."Todos os que me conhecem sabem da minha pregação permanente sobre o que chamo da indissolúvel interdependência entre a democracia, a imprensa livre a livre-iniciativa."Entretanto, parece evidente que a simples existência de uma multiplicidade de vozes não garante a sua qualidade nem o seu comportamento ético. A velha Lei de Gresham - que postula que a má qualidade expulsa a boa - freqüentemente é aplicável também aos meios de comunicação.Felizmente, porém, acho que isso não é o que estamos vendo no Brasil. Embora existam (e sempre existirão) jornais, revistas, televisões e rádios sem qualquer preocupação com padrões de ética ou qualidade - e apesar do ainda péssimo nível geral da educação em nosso país -, tudo indica que o público acaba preferindo o conteúdo de melhor qualidade - tanto eletrônico quanto impresso.Imagino que isso só é assim porque - como nunca é demais repetir - o leitor / telespectador / internauta não é bobo. E também porque acredito que haja outro círculo virtuoso em ação: à medida que o nível da mídia se eleva, à medida que são produzidas reportagens e matérias mais inteligentes, mais bem pesquisadas, mais claras e mais bem apresentadas, o público passa a ser mais exigente e a valorizar os veículos que atendem suas expectativas.Isso significa que as empresas de comunicação devem continuar resistindo à tentação de colocar o bom jornalismo em segundo lugar na "busca do lucro a qualquer preço". Evidentemente, não significa que essas empresas não precisem ser rentáveis - o que é essencial para poder investir, se desenvolver, criar empregos, pagar impostos e remunerar os seus acionistas.Portanto, uma das principais atribuições de um bom editor é buscar o equilíbrio permanente entre a excelência e a integridade de suas publicações e a saúde econômica e financeira de sua empresa: para mim, as duas coisas não são antagônicas, mas complementares. Desde que o editorial nunca seja subordinado ou confundido com os interesses comerciais de curto prazo, seu fortalecimento inevitavelmente acabará atraindo mais leitores e anunciantes e produzindo melhores resultados ao longo dos anos.É também preciso impedir que a tendência inevitável à consolidação não acabe reduzindo excessivamente o leque de fontes de informação e opinião diferentes à disposição do público. E é fundamental não aceitar em hipótese nenhuma que a regulamentação ou tutela governamental substitua o próprio autocontrole da imprensa, auto-regulamentação e compromisso com a sociedade.É claro que ainda há muitíssimo por fazer. Especialmente na frente da melhoria da educação, sem a qual não adianta falar da melhoria da mídia. E no fortalecimento da imprensa local e regional, hoje ainda dependente demais das verbas dos governos locais para poder se dedicar à essencial tarefa de fiscalizá-los. Mas, acredito, é só pensar nas conquistas e avanços dos últimos tempos - especialmente nas frentes das denúncias do mensalão e a corrupção endêmica, da discussão cada vez mais racional da gestão da inflação e da economia; da transparência crescente das contas públicas e da conscientização cada vez maior do eleitorado - para constatar que a imprensa brasileira está progredindo aceleradamente."É claro que ainda há muitíssimo por fazer. Especialmente na frente da melhoria da educação, sem a qual não adianta falar da melhoria da mídia."Precisamos continuar por esse caminho auspicioso - sempre dentro de uma moldura ética, mantendo a primazia do princípio sobre a conveniência, e não esquecendo a nossa responsabilidade permanente com os indivíduos, o público, a nação e até com o futuro do planeta.Antes de prosseguir com o almoço, o dia e os debates, permitam-me fazer algumas considerações e reflexões sobre como chegamos aqui e no que acreditamos.VEJA nasceu em setembro de 1968 porque meu pai e nosso saudoso fundador, Victor Civita, resolveu permitir que eu, seu filho mais velho, lançasse a revista semanal de informação que vinha imaginando desde minha chegada na empresa dez anos antes.Lembro-me do orgulho dele na noite em que VEJA nasceu, da sua aflição quando - apenas três meses depois - chegou o AI-5 e a censura, dos longos anos em que a revista perdia todo o dinheiro que a Editora ganhava e das múltiplas vezes em que ele concordou em me dar "mais três meses" para chegar ao equilíbrio."Lembro-me do orgulho dele (Victor Civita) na noite em que VEJA nasceu, da sua aflição quando - apenas três meses depois - chegou o AI-5 e a censura."Lembro também de ele e eu termos, em conjunto, agüentado tantas broncas, ameaças, pressões e sanções que caíam sobre a Abril enquanto VEJA insistia em dizer - ou insinuar - o que não se podia.Isso incluiu a apreensão de duas edições da revista, a censura durante quase uma década, o corte de toda e qualquer verba de publicidade do governo e suas empresas estatais em retaliação de qualquer crítica e - não menos importante - o veto permanente à entrada da Abril em rádio ou televisão.Mas a angústia e aflição da primeira década da revista também serviram para reforçar as nossas convicções democráticas e aumentar a capacidade de enfrentar a raiva de governantes contrariados.Também contribuiu para isso outra grande turbulência, dessa vez que VEJA ajudou a criar: a ascensão e queda de um jovem presidente que parecia estar inaugurando uma nova era e que acabou - sem querer - acelerando o processo de maturação política do país.Quando VEJA resolveu publicar - em maio de 1992 - as primeiras denúncias de Pedro Collor contra seu irmão Fernando, e continuou martelando o tema de corrupção nos mais altos escalões do governo com mais uma dúzia de capas nos meses seguintes, muitos dos meus supostos "amigos" deixaram de me reconhecer ou cumprimentar. Mas, quando Collor finalmente caiu, em fins de setembro, todo mundo veio dizer que eu tínhamos "salvado" o Brasil. Assim, a revista contribuiu para o triunfo da lei e para a percepção fundamental de que esta deve sempre estar acima - e não a serviço - dos governantes. O episódio também me deu a oportunidade de reconfirmar quão poucos amigos verdadeiros pode ter um editor que leva sua missão a sério.Pensando bem, me ocorre que contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do exercício da liberdade e do compromisso com a verdade que orienta a imprensa responsável. Como declarou Hubert Beuve-Méry, fundador do jornal francês Le Monde, o dever da imprensa é "Dizer a verdade, custe o que custar. Sobretudo se custar...""Contrariar os que estão no poder é a contrapartida quase inevitável do exercício da liberdade e do compromisso com a verdade que orienta a imprensa responsável."A liberdade só pode ser garantida pela responsabilidade. Se opusermos o poder à liberdade, a liberdade sai perdendo. Se acrescentarmos responsabilidade à liberdade, ambas saem ganhando.Evidentemente, também há enormes satisfações embutidas na gigantesca tarefa de editar VEJA, hoje tão competentemente dirigida por Eurípedes Alcântara. A principal delas é poder honrar o compromisso que assumimos com os leitores desde o início: informá-los corretamente, contar-lhes a verdade, e opinar - sempre - com coragem e independência. Há a sensação do dever cumprido no combate à tortura, à violência, ao arbítrio, à legislação anacrônica, às mentiras, ao racismo e à corrupção. Há o privilégio de trabalhar com tantos jornalistas, gestores e publicitários de talento e imaginação. E o desafio permanente de tentar explicar semanalmente os porquês e implicações dos eventos e mudanças que sacodem o Brasil e o planeta.Há, adicionalmente, o prazer de ver a revista utilizada como ponte entre a teoria e a realidade em milhares de salas de aula de todo o país. E, acima de tudo, o orgulho de ter desenvolvido um papel fundamental na conscientização política de milhões de brasileiros, na insistência em integridade, eficácia e transparência de parte dos governos, na difícil arte de escrever claramente e bem, na preocupação com a isenção e a responsabilidade jornalística, e no fortalecimento da livre-iniciativa e das nossas instituições democráticas - como acabamos de demonstrar no episódio da escuta ilícita dos telefones do Supremo.Pois é exatamente essa preocupação permanente de VEJA - e de um punhado de outros veículos responsáveis - que tanto tem contribuído para o aperfeiçoamento da nossa democracia num momento em que o auspicioso avanço da nossa economia às vezes mascara ou até esquece a fundamental necessidade de também reforçarmos o arcabouço institucional do Brasil. Um país que está finalmente assumindo a posição no mundo que seus extraordinários recursos naturais, a manutenção da estabilidade econômica e política e o vigor e competência de seu setor privado lhe proporcionam, não pode deixar de insistir nas múltiplas reformas básicas que ainda faltam. E no contínuo progresso na eliminação das iniqüidades sociais com as quais convivemos há séculos.Faço votos, do fundo do meu coração, que VEJA possa continuar informando, fiscalizando, questionando e debatendo tudo isso cada vez melhor ao longo dos próximos 40 anos!Muito obrigado!

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